Por mais amor, menos ódio!
Por Marcos Rezende*
Acordei com a notícia de que na cidade do Rio de Janeiro no bairro
da Vila da Penha uma família formada por religiosos de matrizes
africanas vestindo paramentos tradicionais do candomblé caminhava em
direção ao Terreiro quando foram provocados por um grupo de evangélicos
com gritos de “Sai Satanás, queima e vocês vão para o inferno”, os
candomblecistas deram pouca importância às provocações e seguiram
adiante, mas acabaram sendo surpreendidos com pedradas em sua direção
tendo uma delas atingido a jovem Kaylane de 11 anos, a qual
imediatamente tombou no chão e o sangue começou a escorrer causando a
preocupação de todos da família. Os evangélicos evadiram do local e a
família fez o devido registro na 38ª delegacia de Polícia do Rio de
Janeiro.
Assim inicio esse artigo e ficaria surpreendido se isso fosse “apenas” um fato isolado com Kailane e sua família, mas não é.
Infelizmente na semana passada em Camaçari, região metropolitana de
Salvador Mãe Dede tombou frente a intolerância religiosa de uma igreja
que instalou-se a men
os de um ano próximo ao seu Terreiro que está no
local há 45 anos. Rotineiramente, durante as madrugadas os evangélicos
faziam vigílias na porta dessa senhora de 90 anos de idade fato que a
Iyalorixá fez questão de registrar através de denuncia na delegacia
local devido ao abuso, intolerância religiosa e desrespeito sofrido.
Infelizmente os fatos não foram apurados a tempo e, na semana passada
após mais uma vigília em sua porta Mãe Dede teve um infarto fulminante.
Narrei dois fatos e poderia ter ficado surpreendidos com eles, mas
não fico, porque fatos como esses são cada vez mais comuns. O dia 21 de
janeiro foi sancionado como Dia Nacional de Combate a Intolerância
Religiosa pelo Presidente Lula devido a morte de Mãe Gilda que foi
perseguida e maculada pela Igreja Universal do Reino de Deus a qual foi
condenada pelo crime bárbaro, mas continua funcionando normalmente, não
fez ajustamento de conduta e sequer teve alguém preso, apenas pagou uma
indenização ínfima frente ao tamanho do seu império. Poderia dizer mais,
se a Igreja Universal resolvesse continuar com a sua sanha persecutória
aos religiosos de matrizes africanas e a condenação fosse pagar o valor
que pagou aos familiares de Mãe Gilda por cada candomblecista que
morresse, poderiam morrer todos e isso pouco mudaria a atual estrutura
de poder e dinheiro que a mesma possui.
Ano passado Religiosos de Matrizes Africanas de todo o Brasil,
impulsionados pelas Casas mais Tradicionais de Candomblé da Bahia
ocuparam Brasília clamando por justiça no “Ocupa Brasília”, foram
recebidos pelo Ministro José Eduardo Cardozo e criou-se um Grupo de
Trabalho contra a Violência Religiosa publicado no Diário Oficial da
União no dia 09 de janeiro de 2015 através da Portaria Conjunta entre a
Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos e a Secretaria Nacional de
Segurança Pública. O objetivo desse grupo é propor ações e medidas p
ara
combater a prática de Intolerância Religiosa na sociedade brasileira. A
tarefa é árdua, no entanto religiosos de matrizes africanas de todo o
Brasil creem nesse GT como uma possibilidade de se construir um país
onde o amor por toda e qualquer religião e pessoa seja maior do que o
ódio.
Esse ano religiosos de todo o Brasil também dirigiram-se ao
Ministério Público Federal/MPF em todos os estados da federação para
denunciar os Gladiadores do Altar da mesma Igreja Universal. Religiosos
de Matrizes Africanas de todo o Brasil entregaram gravações dos tais
“gladiadores” e até o MPF de alguns estados aceitaram a denúncia e estão
investigando mais esse caso.
O estado brasileiro constitucionalmente é laico, no entanto a
complexa aliança político religiosa que se desvela no Congresso Nacional
serviu de motivação para a opinião do jornal Folha de São Paulo do
último domingo dia 14 de junho de 2015 nominado de Submissão, o
editorial tratou justamente da aliança entre políticos moderados e
fundamentalistas religiosos conforme trecho:
“Num futuro não muito distante, a aliança entre grupos políticos
moderados e fundamentalistas religiosos obtém expressiva vitória
eleitoral. Logo se estabelece, num país de tradições laicas e liberais, o
predomínio da repressão, do obscurantismo e do preconceito...Um
espírito crescente de fundamentalismo se manifesta, contudo, em setores
da sociedade brasileira –e, como nunca, o Congresso Nacional parece
empenhado em refleti-lo, intensificá-lo e instrumentalizá-lo com fins
demagógicos e de promoção pessoal...Tornou-se rotineiro, nos debates do
Congresso, que este ou aquele parlamentar invoque razões bíblicas para
decisões que cumpre tratar com racionalidade e informação. Condena-se a
união homo afetiva, por exemplo, em nome de preceitos religiosos e de
textos –não importa se a Bíblia ou o Corão– que podem muito bem ser
obedecidos na esfera privada, mas pouco têm a contribuir para a
coexistência entre indivíduos numa sociedade civilizada e plural. Muitas
religiões pregam a submissão da mulher ao homem, abominam o divórcio,
estabelecem proibições a determinado tipo de alimento, condenam o
consumo do álcool, reprovam o onanismo, legislam sobre o vestuário ou o
corte de cabelo.”
No ano de 2011 o Coletivo de Entidades Negras/CEN lançou o Mapa da
Intolerância Religiosa no Brasil, e denunciou diversos casos de
intolerância registrados pela mídia, a má utilização das concessões
públicas de rádio e televisão que muitas vezes se comportam como espaços
de promoção do desrespeito, intolerância e ódio religioso, como também
observou a necessidade do aprofundamento da garantia da democracia para
além da letra fria, e muitas vezes distante do direito, mas pela
concretização enquanto um fato no dia a dia das pessoas que necessitam
ter acesso a justiça e crer no seu cumprimento enquanto um dever do
Estado.
A luz da democracia e diante da constituição torna-se necessário
garantir direitos ou encontrar soluções para que o amor pregado em todas
as religiões possam encontrar terreno fértil no coração das pessoas e o
respeito inclusive, por todas as demais que optaram em não possuir
nenhuma religião ou não ter crença em divindade alguma.
Espero que os casos de violência e intolerância religiosa acima
relatados sirvam de motivo para reflexão e rogo para que ainda tenhamos o
tempo necessário para acreditar no amor e no respeito ao próximo
pregados pelas pessoas de fé. Quiçá todas as religiões compreendam a
dimensão de coabitar em um Estado Laico e através da sinergia de fé e
laicidade possa o Brasil servir de referência para aplicação de Justiça
Restaurativa e mecanismos de Mediação de Conflitos para o advento de
novos tempos diferentes dos que se insinuam.
Oxalá, ainda tenhamos tempo.
* Marcos Rezende é coordenador-geral do CEN, ogan do Ilê Axé
Oxumarê, historiador, pós-graduado em história e cultura
afro-brasileira, mestrando em desenvolvimento e gestão social pela UFBA
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