terça-feira, abril 30

O absurdo é outro




Por: Pai Anderson de Oxalá
Sobre a indicação do projeto de lei apresentado pelo vereador do PV na Câmara Municipal de Salvador.





O absurdo vereador Marcel Moraes, é que com tantas questões mais importantes para o desenvolvimento social do nosso estado, a exemplo da segurança pública, educação, saúde, genocídios dos nossos jovens, crimes de homofobia, intolerância e desrespeito religioso, violência racial e a corrupção, o senhor resolve usar seu mandato a favor de interesses de grupos preconceituosos e intolerantes. O projeto de lei que visa proibir as oferendas da Religião de Matrizes Africanas é um atentado a democracia e a constituição federal.

Nós, adeptos do candomblé e das demais formas de culto de matriz africana não tememos nem discriminamos o sacrifício. O sangue pra nós é sinônimo de vida, é como a seiva que percorre o tronco das árvores levando vitalidade às folhas, é como os rios que percorrem seu leito irrigando a terra e distribuindo força por onde passa.
Quem banalizou o derramamento de sangue não fomos nós, amantes do culto à natureza e sim aqueles que promoveram a guerra para impor suas verdades perante os outros, na vil intenção de dominar.

Pra nós, as oferendas refletem nossa gratidão a quem nos dá o sustento. Alimentamo-nos daquilo que oferecemos em nosso dia-dia da comunidade terreiro, assim como acontece nas fazendas e sítios. Oferecemos frutas em gratidão às arvores que nos dão o fruto. Oferecemos peixe aos rios que nos permitem a pesca, oferecemos animais à terra que a tudo nos permite plantar e colher. Nosso retorno e nossa gratidão não estão contidas num envelope intitulado de dízimo. Talvez seja essa visão mais natural das coisas que o nobre vereador não tenha.

Contudo, se o vereador quiser realmente travar um debate sobre a dor e o “sacrifício”, sugiro que chame à Casa Legislativa, os donos da Sadia, Seara, Avipal, Perdigão e tantas outras multinacionais que adotam o “sacrifício” (abate) numa perspectiva comercial para consumo, atendendo a necessidade alimentar, inclusive de vários eleitores do nobre vereador.
É de fundamental importância o respeito à diversidade religiosa e cultural do nosso país. Vivemos em um estado laico, onde direitos foram adquiridos através da luta pela democracia. E neste momento não podemos recuar perante posturas intolerantes e racistas de uma minoria que ainda insiste em tratar o nosso povo como escravo, perseguindo nosso culto religioso, nossa tradição e nossos costumes.  Nosso desafio é desmistificar essa concepção equivocada a respeito do que é nosso e do que nos identifica. 

Infelizmente posturas como a do vereador do PV só contribui para atender os interesses daqueles que tem a intenção de desconstruir os traços, costumes, história e identidade de um povo, que tanto contribuiu para construção desse país e que ainda colabora com todo o processo cultural, religioso e de resistência para afirmação da nossa cidadania e que luta para ser tratado com dignidade e igualde de direitos.

Pai Anderson de Oxalá
Babalorixá do Ilê Axé Alá Obatalandê
Membro do Fórum Nacional de Religiosos de Matriz Africana
Presidente do Núcleo de Africanidade de Lauro de Freitas
Presidente da Associação Obatalandê para Promoção da Cultura Afrobrasileira e Desenvolvimento Social com sede na cidade de Graz-Austria