Mas o que vamos fazer? Queremos apontar as nossas críticas e nossa perspectiva já de início, para não deixar passar despercebido que o sistema, o projeto de Estado Brasileiro se apresenta para nós como uma engrenagem que é movida a sangue.
Representamos aqui a maioria do povo baiano e, como povo, viemos neste dia provar através de alguns casos emblemáticos ocorridos na Bahia os diversos crimes contra a população negra. Entretanto, é importante ressaltar que nossa escolha em trazer esses casos emblemáticos não exaure a lista de crimes praticados contra nós. Então, nossa escolha traz uma delimitação e com ela uma limitação que entendemos ser necessária para aproximar a Organização das Nações Unidas (ONU) da realidade baiana.
O Estado Brasileiro, ao longo de mais de 500 anos de história, consolidou e reiterou suas práticas racistas, seletivas, patrimonialistas, criminalizadoras das pessoas negras e pobres criando um sistema que hoje se reproduz automaticamente por meio dos atores que tem chegado ao seu governo e operado sua máquina burocrático-administrativa.
O processo de criminalização tem obedecido à uma lógica de seletividade. Incriminar apenas aqueles que causam perigo para o sistema se autonutrir. Autonutrir de quê? Da fome, da pobreza, do desemprego, que representa tirar da boca de muitos para sobrar no lixo de poucos.
Nós queremos nos apresentar!
Num momento político importante para Negros e Negras neste país e diante da sociedade, queremos dizer nossos propósitos para que não haja confusão a nos misturar numa caravana de Direitos Humanos que tem sido omissa e criminosamente silenciosa diante da morte de nosso povo.
Somos a Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas do Estado da Bahia- ASFAP/Ba e representamos bairros, comunidades e coletivos que de fato impulsionam a Campanha Reaja ou será Morta Reaja ou Será Morto. Representamos aqui a voz de familiares de vítimas do Estado Brasileiro que foram impedidos de entrar nesta reunião por conta de um protocolo que não pode dar conta de toda nossa demanda.
Nossa articulação é nacional e internacional contra o racismo e o genocídio da população negra. Manifestamos nosso repúdio ao atual modelo de segurança pública e ao sistema de justiça criminal que tem se utilizado do confronto e de um alto grau de letalidade contra comunidades negras no Brasil de um modo geral e na Bahia de forma particular sem a devida repercussão de nossa tragédia coletiva.
Sabemos que os métodos empregados contra nós pelo Estado são oriundos de treinos e aperfeiçoamentos no Haiti, país negro, independente e livre que está sob ocupação de tropas supostamente humanitárias, coordenadas pelo Brasil a serviço da ONU. Lá, como aqui, as comunidades sócio-racialmente apartadas são vítimas de uma guerra de alta intensidade comprovados por dados assustadores que ultrapassam as baixas de territórios como Palestina e Iraque, por exemplo. Concentramos a atenção deste relatório em Salvador e região metropolitana com casos que podem revelar o caráter fascista de nosso sistema de justiça e a apatia das organizações de Direitos Humanos que captam vultosos recursos nacionais e internacionais para se manterem omissas quando tinham a obrigação moral de falarem algo sobre o massacre em curso.
A população negra na Bahia está sendo eliminada, seletivamente encarcerada para alimentar a indústria das prisões com seu modelo pautado na política empreendida nos Estados Unidos. As potencialidades, futuros e sonhos de nossa juventude estão sendo destruídas na fase mais produtiva o que caracteriza genocídio e não o eufemismo de extermínio para impedir que nos consideremos um povo num território violento.
A ONU tem uma grande responsabilidade, já que instituições públicas baianas encarregadas de zelar por nossos direitos coletivos prevaricam, e na maioria das vezes seguem somando esforços com os tiranos deste país.Somos alvo de um policiamento violento, repressivo, e inundado de corrupção. Somos de maioria negra e a cor de nossa pele é uma marca que nos identifica para o abate.
Podemos morrer com base em uma simples suspeita. Vivemos como em guetos criados por nazistas.O fato é que nosso direito de usufruir de paz, conforto e segurança é violado principalmente pelo Estado com suas forças repressivas em postos para nos controlar e eliminar. As autoridades políticas e os gestores da segurança pública tem que ser responsabilizados pelas ações de seus subalternos, seus discursos públicos de apologia ao confronto, a vingança e ao massacre como saída para a criminalidade tem elevado a pontos críticos a situação de guerra.Eles utilizam indiscriminadamente o artifício do “auto de resistência” em toda situação de confronto com supostos criminosos e a cena do crime é sempre “limpa” com falso socorro aos traficantes que são apresentados pela imprensa abatidos e com a tarja da impunidade:“ TINHA PASSAGEM”
Exemplar neste ponto é o Delegado Cezar Nunes, Secretário de Segurança Pública que imprimiu a lógica do confronto, a intimidação, a violação de direitos com declarações como: “Não sou secretário de segurança, sou secretário de policia”; “se tem que tombar que tombe para o lado de lá”O que vemos em nossa peregrinação ao Instituto Médico Legal (IML) e aos Hospitais com as mães das vítimas é tombarem jovens, negros entre 14 e 25 anos pobres, desarmados indefesos contra policiais fortemente armados e com o ódio alimentado pela cultura do medo veiculada pelos meios de comunicação e retroalimentado pelo secretário de segurança.
Entendemos que ele deveria pedir demissão (como exigimos) como primeira medida deste governo em querer assumir uma segurança pública responsável, democrática e baseada em direitos humanos.Por fim, recusamos os supostos avanços apresentados por programas como o PRONACI(Programa de Segurança Pública com Cidadania) que investi muito dinheiro em algemas, armas e cadeias e apresenta recursos vultosos para abastecer ONGs e OCIPS durante alguns meses, com palestras e cursinhos em nossas comunidades ansiosas por obras estruturantes, política séria de Cultura, ações reais em saúde.Sim, estamos aqui para além de qualquer coisa por que falamos por nós mesmos, sem máscaras, sem medo ...e com muita dor pela perda de vidas.
Mais de 2500 pessoas mortas no período 2007/2008 (dados da SSP/BA,2008). Esta é uma realidade que entendemos que não pode ser resolvida com curso de Direitos Humanos, Cultura da Paz e / ou prevenção a DST em nossos bairros como se fossemos os culpados por nossa desgraça. Apenas uma mudança na política e uma ação dos órgãos internacionais podem fazer parar a matança assim como nossa luta cotidiana.
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