Salve Negro Blul, meu parceiro. Passei este domingo, 1º de março pensando em você, pensando em suas rimas, repassando seu martírio e tentando entender essa cidade.
Escrevo essa carta como forma de tributo para te manter vivo. Assim, lembrado como um marco político de enfrentamento ao ódio racial instalado em Salvador.
Somos poucos, parceiro. Quando vejo mesmo, estamos sós no combate, enfrentando os inimigos. Os inimigos são poderosos e sanguinários. Portam documentos oficias e séculos de saques a nossas riquezas ancestrais.
Somos poucos, parceiro. Quando vejo mesmo, estamos sós no combate, enfrentando os inimigos. Os inimigos são poderosos e sanguinários. Portam documentos oficias e séculos de saques a nossas riquezas ancestrais.
Por aqui a cultura que era a matéria prima de sua atuação continua na mesma. Nenhuma política pública de cultura alcançou os bairros em que você circulava com suas roupas folgadas e rimas precisas. Nada! Nenhum centro cultural foi construído nesses dois anos, nenhuma ação permitiu a fruição cultural nas comunidades pobres em que mora gente com o nosso jeito; nada de intercâmbio cultural ou formação. O que tem além do carnaval do Apartheid e da polícia super preparada com armas que eu não sei nem pronunciar o nome? Só tem fabricação cultural, só lixo de mercado, mas eles celebram todo ano bons índices de cultura. Mentira.
O povo vai fazendo, do seu jeito, ação cultural de fato. E, entre balas e fome e a dengue, se prolifera, ante os territórios sem saneamento, uma cultura saudável que nos faz sobreviver.
Bronca tá bem, foi conosco pra São Paulo. Falamos de você por lá , cantamos Rap, trocamos experiências dolorosas com famílias que tiveram seus filhos e filhas e maridos e esposas tombados, vítimas da violência estatal. Fizemos um Tribunal, Blul, pra julgarmos o Estado que te levou à cova. E nos ligamos nacionalmente à gente boa de luta que não se vende e que não quer fazer pesquisa com nossa desgraça. Eu queria que você conhecesse os Guerreiros e Guerreiras de Acari. Muita responsabilidade.
Afro Jhow vai cantando e rompendo o silêncio da cidade e formando um clã de pretos orgulhosos. Seqüela agora se chama Lucas Kintê e rima como se fosse uma máquina de deletar traidores e bandidos. É um fenômeno na arte o velho Kintê.Salvador fica mais digna quando essa gente se junta. Do Outro lado? Muita gente se afogando no próprio sangue, nos campos de desova, nos corredores da morte instalados extra-institucionalmente, na tristeza de uma cidade que exclui com tons carnavalescos e alegorias bélicas a maioria.
A maioria somos nós Blul. Temos a mesma negrura na pele, mesmo que nos diversos tons a humilhação venha do mesmo jeito para quem recusa as graças do embranquecimento. Embranquecer aqui Blul parece que tem um significado mais tétrico, mais cabuloso, uma humilhação a mais para quem se arrisca.
É tão pesado o racismo que nos envolve em Salvador, que as almas mais generosas, mais guerreiras parecem que se rendem esperando algum prazer entre tanta violência que se espalha.
As balas crivaram seu corpo, mas abriram feridas profundas na cidade. Ela jamais foi a mesma. A cidade viu nascer outra lógica, outra força, outra, construída não como novidade mas herança africana de nos mantermos humanos nós que continuamos aqui na boa luta. Atentos na trincheira, te mandamos um salve, os parceiros de Pau da Lima, de Sussuarana, da Liberdade, da Cidade Baixa, todos te têm como um símbolo e é isso que te deixa perto de nós.
Sabe Blul, eu nunca perguntei qual era sua religião ou se você não tinha nenhuma....mas todas elas acreditam numa vida depois deste inferno. Se elas estiverem erradas, a atualização de sua memória toda vez que a gente luta vai te fazer eterno meu parceiro.
Ah! Lio tem escrito textos sobre a guerra que soam como orações para que sua alma nos mande sempre luz. Eu acendo velas vez em quando e escrevo sempre para que não se esqueçam
Hamilton Borges Walê
http://br.mc332.mail.yahoo.com/mc/compose?to=hamilton_africano@yahoo.com.br
*Negro Blul é o nome artístico de Clodoaldo Souza morto por grupos paramilitares de extermínio em 1º de Março de 2007 no Bairro de Nova Brasília no caso conhecido como matança de Nova Brasília.até agora nenhuma autoridade fala dos rumos da investigação. Se é que houve investigação
Ah! Lio tem escrito textos sobre a guerra que soam como orações para que sua alma nos mande sempre luz. Eu acendo velas vez em quando e escrevo sempre para que não se esqueçam
Hamilton Borges Walê
http://br.mc332.mail.yahoo.com/mc/compose?to=hamilton_africano@yahoo.com.br
*Negro Blul é o nome artístico de Clodoaldo Souza morto por grupos paramilitares de extermínio em 1º de Março de 2007 no Bairro de Nova Brasília no caso conhecido como matança de Nova Brasília.até agora nenhuma autoridade fala dos rumos da investigação. Se é que houve investigação
MUITO FELIZ E UM GRANDE ABRAÇO HAMILTON AO TOCAR NESSE ASSUNTO QUE INDISCRETAMENTE SE FORTALECE, POREM A CADA DIA NÓS VEMOS DIVERSOS BLUL´S SENDO ASSASSINADOS. PARECE SER REPETIÇÃO DE CENA: JOVENS NEGROS ASSASSINADOS SUMARIAMENTE NOS QUILOMBOS URBANOS, REPETIÇÃO DOS MASSACRES AO NOSSO POVO.
ResponderExcluirESSE FATO SÓ NOS FAZ LEMBRAR QUE NADA FOI FEITO O governo wagner NÃO TOMA NENHUMA POSTURA DIANTE AS MORTE, PELO CONTRARIO, FORTALECE CADA VEZ MAIS OS "SKINHEAD" DA SSP/BA QUE COM OS SEUS CABELOS CURTOS E FARDAS PARAMILITARES ALIMENTAM O ÓDIO RACIAL EXTERMINANDO A POPULAÇÃO NEGRA...