terça-feira, junho 16

A Intolerância Religiosa nossa de cada dia. Ou seria melhor ano? Década?




Por mais amor, menos ódio!

Por Marcos Rezende*

 Acordei com a notícia de que na cidade do Rio de Janeiro no bairro da Vila da Penha uma família formada por religiosos de matrizes africanas vestindo paramentos tradicionais do candomblé caminhava em direção ao Terreiro quando foram provocados por um grupo de evangélicos com gritos de “Sai Satanás, queima e vocês vão para o inferno”, os candomblecistas deram pouca importância às provocações e seguiram adiante, mas acabaram sendo surpreendidos com pedradas em sua direção tendo uma delas atingido a jovem Kaylane de 11 anos, a qual imediatamente tombou no chão e o sangue começou a escorrer causando a preocupação de todos da família. Os evangélicos evadiram do local e a família fez o devido registro na 38ª delegacia de Polícia do Rio de Janeiro.

 Assim inicio esse artigo e ficaria surpreendido se isso fosse “apenas” um fato isolado com Kailane e sua família, mas não é.

Infelizmente na semana passada em Camaçari, região metropolitana de Salvador Mãe Dede tombou frente a intolerância religiosa de uma igreja que instalou-se a men
os de um ano próximo ao seu Terreiro que está no local há 45 anos. Rotineiramente, durante as madrugadas os evangélicos faziam vigílias na porta dessa senhora de 90 anos de idade fato que a Iyalorixá fez questão de registrar através de denuncia na delegacia local devido ao abuso, intolerância religiosa e desrespeito sofrido. Infelizmente os fatos não foram apurados a tempo e, na semana passada após mais uma vigília em sua porta Mãe Dede teve um infarto fulminante.

Narrei dois fatos e poderia ter ficado surpreendidos com eles, mas não fico, porque fatos como esses são cada vez mais comuns. O dia 21 de janeiro foi sancionado como Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa pelo Presidente Lula devido a morte de Mãe Gilda que foi perseguida e maculada pela Igreja Universal do Reino de Deus a qual foi condenada pelo crime bárbaro, mas continua funcionando normalmente, não fez ajustamento de conduta e sequer teve alguém preso, apenas pagou uma indenização ínfima frente ao tamanho do seu império. Poderia dizer mais, se a Igreja Universal resolvesse continuar com a sua sanha persecutória aos religiosos de matrizes africanas e a condenação fosse pagar o valor que pagou aos familiares de Mãe Gilda por cada candomblecista que morresse, poderiam morrer todos e isso pouco mudaria a atual estrutura de poder e dinheiro que a mesma possui.

Ano passado Religiosos de Matrizes Africanas de todo o Brasil, impulsionados pelas Casas mais Tradicionais de Candomblé da Bahia ocuparam Brasília clamando por justiça no “Ocupa Brasília”, foram recebidos pelo Ministro José Eduardo Cardozo e criou-se um Grupo de Trabalho contra a Violência Religiosa publicado no Diário Oficial da União no dia 09 de janeiro de 2015 através da Portaria Conjunta entre a Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos e a Secretaria Nacional de Segurança Pública. O objetivo desse grupo é propor ações e medidas p
ara combater a prática de Intolerância Religiosa na sociedade brasileira. A tarefa é árdua, no entanto religiosos de matrizes africanas de todo o Brasil creem nesse GT como uma possibilidade de se construir um país onde o amor por toda e qualquer religião e pessoa seja maior do que o ódio.

Esse ano religiosos de todo o Brasil também dirigiram-se ao Ministério Público Federal/MPF em todos os estados da federação para denunciar os Gladiadores do Altar da mesma Igreja Universal. Religiosos de Matrizes Africanas de todo o Brasil entregaram gravações dos tais “gladiadores” e até o MPF de alguns estados aceitaram a denúncia e estão investigando mais esse caso.

O estado brasileiro constitucionalmente é laico, no entanto a complexa aliança político religiosa que se desvela no Congresso Nacional serviu de motivação para a opinião do jornal Folha de São Paulo do último domingo dia 14 de junho de 2015 nominado de Submissão, o editorial tratou justamente da aliança entre políticos moderados e fundamentalistas religiosos conforme trecho:

“Num futuro não muito distante, a aliança entre grupos políticos moderados e fundamentalistas religiosos obtém expressiva vitória eleitoral. Logo se estabelece, num país de tradições laicas e liberais, o predomínio da repressão, do obscurantismo e do preconceito...Um espírito crescente de fundamentalismo se manifesta, contudo, em setores da sociedade brasileira –e, como nunca, o Congresso Nacional parece empenhado em refleti-lo, intensificá-lo e instrumentalizá-lo com fins demagógicos e de promoção pessoal...Tornou-se rotineiro, nos debates do Congresso, que este ou aquele parlamentar invoque razões bíblicas para decisões que cumpre tratar com racionalidade e informação. Condena-se a união homo afetiva, por exemplo, em nome de preceitos religiosos e de textos –não importa se a Bíblia ou o Corão– que podem muito bem ser obedecidos na esfera privada, mas pouco têm a contribuir para a coexistência entre indivíduos numa sociedade civilizada e plural. Muitas religiões pregam a submissão da mulher ao homem, abominam o divórcio, estabelecem proibições a determinado tipo de alimento, condenam o consumo do álcool, reprovam o onanismo, legislam sobre o vestuário ou o corte de cabelo.”

No ano de 2011 o Coletivo de Entidades Negras/CEN lançou o Mapa da Intolerância Religiosa no Brasil, e denunciou diversos casos de intolerância registrados pela mídia, a má utilização das concessões públicas de rádio e televisão que muitas vezes se comportam como espaços de promoção do desrespeito, intolerância e ódio religioso, como também observou a necessidade do aprofundamento da garantia da democracia para além da letra fria, e muitas vezes distante do direito, mas pela concretização enquanto um fato no dia a dia das pessoas que necessitam ter acesso a justiça e crer no seu cumprimento enquanto um dever do Estado.

A luz da democracia e diante da constituição torna-se necessário garantir direitos ou encontrar soluções para que o amor pregado em todas as religiões possam encontrar terreno fértil no coração das pessoas e o respeito inclusive, por todas as demais que optaram em não possuir nenhuma religião ou não ter crença em divindade alguma.

Espero que os casos de violência e intolerância religiosa acima relatados sirvam de motivo para reflexão e rogo para que ainda tenhamos o tempo necessário para acreditar no amor e no respeito ao próximo pregados pelas pessoas de fé. Quiçá todas as religiões compreendam a dimensão de coabitar em um Estado Laico e através da sinergia de fé e laicidade possa o Brasil servir de referência para aplicação de Justiça Restaurativa e mecanismos de Mediação de Conflitos para o advento de novos tempos diferentes dos que se insinuam.

Oxalá, ainda tenhamos tempo.

* Marcos Rezende é coordenador-geral do CEN, ogan do Ilê Axé Oxumarê, historiador, pós-graduado em história e cultura afro-brasileira, mestrando em desenvolvimento e gestão social pela UFBA 

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